Inclusão e as quatro dimensões dos espaços criativos

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O potencial criativo de um espaço, sua capacidade de autogerar-se, depende dos fluxos de comunicação, das técnicas, das paisagens e das temporalidades.

Fluxos de comunicação
Os momentos e os espaços historicamente reconhecidos como criativos na história têm em comum a intensificação dos fluxos de comunicação. Foi o caso na Renascença, no movimento dos cafés do século XIX e na ágora grega. Mais recentemente, os polos de inovação se destacam pelo fato de reunirem diferentes atores, provenientes da ciência e do empreendedorismo, de várias partes do mundo.

A diversidade de atores, seja em termos de gênero, etnia, idade, culturas, experiências, competências ou outras, só será eficaz se for inclusiva, se houver comunicação. Uma maior intensidade na comunicação favorece a diversidade de perspectivas, a criticidade para a percepção da diferença e, consequentemente, dá aos espaços uma maior capacidade de se adaptar às mudanças no ambiente. Além dos exemplos históricos já citados, também podemos mencionar ecossistemas urbanos de inovação, como o caso da pequena cidade de Boulder, no Colorado, EUA, um exemplo de sucesso internacional na integração entre empreendedores, universidades e comunidade — conhecida até como a “Tese de Boulder”.

Paisagens
Os objetos que compõem uma paisagem, sejam naturais ou artificiais, são acessíveis às ações humanas. No entanto, eles também direcionam as ações, sendo produtos e produtores das relações existentes no espaço, de acordo com o geógrafo Milton Santos. Assim, a paisagem pode favorecer ou inibir os fluxos de comunicação, os encontros ou as incompatibilidades. Pode também incentivar a colaboração ou proteger a individualidade, ambas necessárias aos processos criativos.

Experiências através de diferentes paisagens promovem múltiplas percepções e a produção de significados. Às vezes, o trabalho coletivo se beneficia de diversas inspirações em espaços abertos. A dinâmica dos espaços criativos pode ser percebida em escritórios abertos, que promovem a interação entre profissionais, como no campus do Google, por exemplo. Em outros momentos, é essencial garantir espaços individuais para concentração, como em bibliotecas.

Mais uma vez, a diversidade, desta vez de paisagens, influencia os processos criativos.

Temporalidades
A temporalidade é uma interpretação particular do tempo. A diversidade das diferentes temporalidades tem uma relação direta com os processos criativos.

O potencial criativo de cada ser humano é imenso e pode ser limitado ao longo do tempo, como mostram as pesquisas de Beth Jarman e Georg Land, que acompanharam 1.200 crianças durante dez anos e depois aplicaram testes de criatividade a 200.000 adultos. Jarman e Land concluíram que, aos 5 anos de idade, 98% das crianças atingiram o nível mais alto de criatividade na escala estabelecida, número que cai para apenas 2% aos 31 anos.

A limitação ou não da criatividade é uma decisão política da sociedade. Ao longo da vida, quando corretamente estimulados, diferentes modos criativos se desenvolvem. O economista David W. Galenson, que estudou os picos criativos dos mestres das artes, da literatura e dos vencedores do Prêmio Nobel, identificou dois tipos de criatividade: conceitual e experimental. Na fúria da juventude, aos 26 anos, Pablo Picasso, um criativo conceitual, rompeu todas as regras com o cubismo. Cézanne, um criativo experimental, completou sua obra-prima aos 67 anos: “As grandes banhistas”. Em resumo, os jovens exercem sua criatividade com menos regras, mas, em idade avançada, há uma sabedoria que permite conectar os pontos de uma vida cheia de experiências.

Ainda sobre as temporalidades, muitas vezes o momento da ideia não é o momento do seu sucesso. Esse é o caso de grandes mestres que foram reconhecidos tardiamente, como Gauguin, Van Gogh ou Walter Benjamin, por exemplo. Algumas ideias simplesmente nascem fora do seu tempo.

Técnicas
Cada processo criativo, de alguma forma, desfruta da liberdade de associação de diferentes sentidos, ancorados no potencial perceptivo do corpo (tato, olfato, visão, audição, paladar). O corpo unifica os sentidos em conhecimentos criativos. No entanto, para se materializar em um texto, uma obra de arte, uma música, um produto ou um processo inovador, a intuição criativa precisa acionar diferentes técnicas.

De certa forma, a criança ou o adulto, para dar vida à sua intuição criativa, age de maneira mais ou menos sistematizada sobre os objetos naturais e artificiais, para que a ideia em potencial emerja materialmente. Na ciência ou na arte, por exemplo, o processo criativo, que se beneficia de certo caos inicial, se concretiza por meio da disciplina e do método.

O fato é que as técnicas podem ser limitantes (a “maldição” do paradigma que não responde às questões mais atuais). Daí a necessidade de ir além, não para se tornar refém, mas para verificar os limites e descobrir as possibilidades das diferentes técnicas.

E, por fim…
O potencial dos processos criativos reside na diversidade dos fluxos de comunicação, das paisagens, das temporalidades e das técnicas. Mas a diversidade por si só não basta. É possível reconhecer o que é diferente. O desafio consiste em incluir, ou seja, fazer a diversidade funcionar em favor da criatividade, como me disse uma vez uma das minhas alunas de Comunicação, Renata Juliotti.

Por Fabio Josgrilberg, professor e pesquisador da FGV-EAESP,

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